Pra ouvir enquanto lê: Apologize, Samuel Kahn ;)
“A gente pinta o chão de cor clara e, depois, reclama da sujeira”. Li essa frase por esses dias e ela ecoa em mim desde então. Porque pintar o chão assim se as marcas ficarão evidentes? Tudo bem, traz claridade. Mas, precisamos ser honestos, é muito mais caótico. O fio de cabelo que cai fica aparente, a poeira dos objetos não mexidos, a marca dos que foram retirados. É preciso o dobro de empenho na limpeza.
Acho curioso que um chão marcado é, claramente, um lugar de memórias. Cada marca traz uma história diferente. E, em geral, a gente tende a achar interessante, vintage, até. Mas, quando o chão é claro, pode parecer desleixo. A claridade torna muita coisa insustentável, gera desconforto. E aí a gente tem quatro opções:
pinta tudo de novo de cor clara e ignora o que tá por baixo (às vezes em múltiplas camadas);
escurece o chão e não se permite ver mais determinadas marcas;
simplesmente não olha mais pra ele;
ou passa a olhar pras marcas entendendo que vida é movimento e que sempre há significados mais profundos por trás da superfície, independente do que isso te desperte.
É uma previsão de futuro do lar, sem resposta certa. E lar é onde a gente tende a se sentir melhor, com a cabeça mais leve, né? Especialmente se você for do tipo que sofre de problemas de memória. De excesso delas.
Mas, só pra te dar um conselho não solicitado: marcas são memórias e elas sempre dão um jeito de aparecer. Na pintura clara que desgasta, no dia em que algo cai em cima ou arranha um ponto escurecido, naquele dia em que você esbarrou o olhar e lembrou. E tem marcas que a gente deveria ter como prioridade absoluta lembrar. Seja pra ela nos fazer sorrir ou pra nos lembrar de onde não podemos mais pisar.
(já deu aquela olhada no chão ao seu redor?)
esse texto nunca foi sobre chão.
Livro da semana
Funil, de Alexandre Gama. Carioca, filho de pai maranhense e mãe capixaba. Criou em 2022 o projeto conceitual e artístico ‘Journey to Ataraxia’, que combina palavra, imagem e música (beeeeem legal, tá?)
Funil é o primeiro livro em prosa de Alexandre. O livro aborda a beleza da infância, a força do desejo, as relações interpessoais e até metalinguagens sobre o papel da arte no mundo atual.
Confesso que julguei pela capa, toda em tecido. Saltou aos olhos no meio de tanta coisa colorida. Abri exatamente nessa página e, sem pestanejar, comprei:
Por onde andei
Essa semana eu fui convidada para conhecer a nova casa da galeria Martins&Montero, nos Jardins, em São Paulo. Um casarão de dois andares incrível do fim da década de 1950, com um jardim a céu aberto que divide grade com uma praça.


A galeria surgiu da união entre as galeristas Jaqueline Martins e Maria Montero e é um respiro no meio do caos da cidade. Com mobiliários de artistas renomados e obras de tirar o fôlego, a galeria fica aberta para visitação - e eu recomendo muito que você passe por lá e se inspire.
Inclusive, uma das artistas representadas pela Martins&Montero está com exposição no MASP. Lia D Castro utiliza a prostituição como ferramenta de pesquisa e desenvolve as obras a partir dos encontros com clientes dela. É assim que ela subverte relações de poder ou violência que possam surgir entre eles. Autodidata, Lia tem a capacidade de te colocar dentro de cada tela e te faz sentir profundamente cada uma das cenas que ela perpetua. Virei fã <3
Que a sua semana seja linda. Até a próxima ;)
nunca foi sobre o chão, mas talvez tenha sido por muito tempo sobre a jaula… respiro aliviada por poder caminhar em liberdade! (eu simplesmente amei esse texto 🤎)
To eu aqui, raspando minhas camadas de tinta, pra ver se volto a pisar em terra firme.
Já te disse que você é necessária?