Esses dias eu recebi o convite de uma amiga muito especial para uma conversa na pré-abertura da exposição de uma artista. Eu amo esses eventos porque eles são a ocasião perfeita para conhecer pessoas especiais, aprender e rever aqueles que eu amo. Então, fiz um pequeno malabarismo para caber na agenda da semana. O que era pra ser algo legal se tornou uma reflexão – e um pequeno grande lembrete pra mim:
Ouse abraçar a tranquilidade de ser mais de uma coisa nessa vida.
Ana Berganton é uma artista que está lançando sua primeira exposição solo na Casa Rosa Amarela, em São Paulo. Trabalhando a fluidez da água nas obras, ela abraça as marés invisíveis que carregamos dentro de nós.
Me sentei na primeira fileira para absorver tudo o que podia. Me encanta ver gente inspiradora falando sobre suas criações. Eu não conhecia o trabalho de Ana. E me surpreendi quando minha amiga comentou que o belíssimo – e delicioso - banquete da entrada era dela também. Ali, porém, ela assina como Aninha Gonzalez. Aquilo me intrigou e eu pensei em perguntar depois diretamente para ela sobre. Não precisei.
Durante a conversa inicial, onde Ana falava sobre seu processo criativo, ela contou que demorou a se entender como artista. Sabe por quê?
‘Como eu posso ser banqueteira e pintar?’. Sim, Ana se questionou se tinha direito a ser algo além daquilo que já era. E se questiona tanto que assume dois nomes diferentes, como se a artista visual não habitasse o mesmo corpo - e alma - da artista da culinária. Aquilo me fascinou. Fiquei pensando por que, às vezes, a gente se limita tanto mesmo tendo em si uma potência infinita de possibilidades.
Quando foi que aprendemos que só podemos ser uma coisa ou que devemos nos apresentar apenas como uma?
Há uns meses, durante uma sessão de mentoria, eu disse que meu maior dilema era ser uma pessoa de muitos papéis. O terror da minha vida era que alguém me perguntasse o que eu fazia em um tuíte. Tudo porque essa frase começava, invariavelmente com um “então...”.
Demorou para que eu visse beleza em dizer para os outros aquilo que, pra mim, era muito óbvio: que sou jornalista de formação, que trabalho com branding e marketing no mercado financeiro – e fora dele! -, que sou locutora, roteirista, criativa, escritora, que venho desenvolvendo um projeto pessoal nas horas vagas e que estudo criatividade e gestão de negócios em moda e varejo.
Se eu te disser que ainda me sinto confortável em dizer isso, é mentira. Parece muito pra uma sociedade que te limita a caracteres. E dizer jornalista/escritora e criativa parecia pouco demais pra mim. Sabe o que eu ouvi? Que eu era sortuda por exercer vários papeis e não estar desconfortável com isso. Afinal, o futuro é daqueles que sabem que podem se reinventar a todo momento, assumir novas posições, experimentar.
Ana apresenta trabalhos feitos em aquarela, em sua maioria, e me contou sobre a dificuldade que é criar algo que não depende só dela, mas da água. É ela quem dita se uma forma terá contornos mais bem definidos ou não, se uma cor será mais intensa ou não. Ana tem intenções, tem técnicas, tem planejamento. Mas, o resultado final, é desconhecido até pra si mesma. A ideia de pintar aquarela foi uma forma de sair da zona de controle e água lhe entrega isso. Em troca, Ana proporciona marés invisíveis, mas transformadoras, para quem se permite mergulhar.
Conversamos sobre isso em frente às obras, enquanto desfrutávamos da comida que ela mesma fez – e que também pareciam obras de arte. Ana é poesia em sua multiplicidade. E, pode ser até que tenha quem veja pessoas assim como indecisas. Hoje, honestamente? Eu tenho dado de ombros. Tenho feito muitas coisas e tenho tido pouco tempo para quem não vê beleza em ser mais que uma única versão de si. Hoje, prefiro andar com Anas da vida. Pessoas que experimentam, abraçam a fluidez e se permitem tentar, gostar, voltar. Afinal, é muito mais divertido explorar formas poéticas de existir no mundo. Te recomendo tentar.
A dica da semana
Se você estiver em São Paulo e quiser conhecer o trabalho da Ana, a exposição Marés Invisíveis começa nesta quarta, dia 20 de novembro, das 11h às 18h, na Casa Rosa Amarela, em Pinheiros. Tá a coisa mais linda! ;)
Super compreendo sua inquietude, pois passo pelo mesmo. E algumas pessoas já debocharam dessa versatilidade. Leonardo da Vinci era esse caleidoscópio humano com múltiplas habilidades e deixou um rastro de genialidade. Abraçar muitas coisas só demonstra a largueza de nossa fome. Sigamos. ❤️
Que experiência incrível, acabei me identificando muito contigo e com a Ana. Também sou uma pessoa carregada de multiplicidade, e não vejo isso como algo ruim, sair da gaiola da sociedade é um ato de amor a si próprio!